As cartas que ela escrevera tinham um destinatário, e esse era o tal rapaz. Eles não eram simples desconhecidos, pessoas vulgares que viajaram na mesma carruagem de três transportes públicos, não. Eles tinham uma história. Um relacionamento, considerado por ambos muito intensivo, inesquecível porém. Marcas que ficaram desde então, até ao presente actual, causam dores insuportáveis (no caso dela).
Ela iria pegar nelas e desfaze-las. Era uma espécie de metáfora. Talvez assim desfizesse também o seu amor por ele, desaparecesse com ele. Era a única maneira: parar com tudo aquilo, com todas aquelas rotinas que a tornavam prisioneira de um passado mal esquecido.
Levantou-se. Pegou nas cartas. Releu-as.
Andava de um lado para o outro, estava impaciente. Não sabia porque não ganhava coragem para se desfazer delas. “Chega, chega” - murmurava.
Parou! Arregalou os olhos, não queria acreditar! Depois daquela cansativa procura, depois de correr tudo, vasculhar cafés e ruas, perseguições e transportes públicos, depois de três horas de viagem, avistou-a de novo. Parecia inquieta, nervosa. Mesmo estando a uns vinte metros dela, conseguiu visionar as cartas. Ele tinha conhecimento delas, embora desconhecesse o seu conteúdo. Sabia que ela escrevia para ele, mas ele era demasiado fraco e cobarde para pedir que as entregasse; não as queria ler, dizia sofrer ao lê-las. “Flor de estufa” era o que ela pensava dele.
Mas ele naquele dia estava diferente. Tinha tomado consciência de tudo o que tinha feito, tinha ganho a coragem necessária para ela, para lhe dizer tudo que sempre evitou, tudo o que sempre achou “inoportuno”. Não parecia o mesmo rapaz sequer. Transbordava-lhe valentia, bravura pelo peito.
“Aleeeeex” – gritou – “essas cartas pertencem-me!” – e saltou para a areia, correndo em direcção a ela.
No meio dos seus pensamentos, tão repetidos, tão deprimentes, algo lhe rasgou o raciocínio. Enlouquecera de vez! Não poderia crer no que tinha acabado de ouvir.
Num acto repentino e impensado virou-se para trás, e viu-o, viu-o correr sobre a areia, com uma certa dificuldade em sua direcção. Era ele!, empalideceu , o seu coração acelerou (como sempre acontecia cada vez que o via), tremiam-lhe os dedos e o canto inferior do lábio, os seus olhos assimilavam-se a faróis.
E ficou ali, assim.
Só parou quando conseguiu sentir o seu particular e doce cheiro.
Olhou-a nos olhos, com os seu olhar esbugalhado e brilhante, como fazia. Deixou-a estática.
Deu lhe a mão, e sempre sem desviar o olhar dos seus bonitos olhos. Depois de momentos assim ele pronunciou-se.
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